domingo, 12 de março de 2017

Gloria Perez vai ao Norte do Brasil e retorna ao horário nobre da Globo

Um boto-cor-de-rosa em pé, com quepe de marinheiro, está reclinado segurando uma mulher em seus braços, como se fosse beijá-la.

A cena talhada em madeira itaúba ocupa uma estante cheia de colares de contas de açaí e cocares no centro de artesanatos de Vila de Acajatuba, comunidade de cerca de 300 pessoas no meio da floresta amazônica.

Por R$ 150, o turista que comprar a obra estará levando a primeira escultura "spoiler" de novela que a comunidade ribeirinha já produziu.

Acostumado a reproduzir nas esculturas uma das mais antigas lendas da região, a de que o boto se "disfarça" de humano para seduzir caboclas à beira-rio, o artesão Ney Costa Santos, 36, não podia imaginar que a cena viraria trama de uma novela de Gloria Perez gravada, literalmente, no quintal de sua casa.

"É bom saber que a novela vai mostrar essa história, porque na vida real é o boto mesmo quem paga a conta", ri.

Na região, "bota na conta do boto" é o que se diz quando uma mulher aparece grávida de pai não revelado –atribui-se ao cetáceo sedutor a paternidade da criança. Caso por exemplo de Rita, uma das protagonistas de "A Força do Querer", próxima novela das 21h da Globo.

A moça vivida por Isis Valverde e que acredita ser sereia ouvirá desde criança que é filha do boto.

Essa é uma das "viagens" que a acriana Gloria Perez irá propor com sua volta e de seus toques de realismo fantástico ao horário nobre das novelas, a partir de abril.

Após anos cruzando oceanos para mostrar a cultura de países como Índia, Marrocos e Turquia, agora a novelista se apropria das histórias da região amazônica. Em tempos de crise econômica e de audiências em queda, com o país querendo se ver representado na tela, a viagem é nacional. E feita de barco.

Entre janeiro e fevereiro, o diretor-geral Rogério Gomes gravou os primeiros capítulos da novela em Belém (PA) e em Acajatuba, a uma hora e meia de barco rápido de Manaus, ou até quatro horas em embarcação lenta.

Como primeira licença poética, a comunidade amazonense será vista no folhetim como um povoado do Pará, a fictícia Vila Parazinho.

A minúscula Acajatuba, que tem moradores divididos em comunidades batizadas com nomes de santo ou até de time de futebol, como Corinthians, viu sua poucas casinhas, a pracinha da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e até a escola infantil se transformar de um dia para o outro em estúdio, com balsas descarregando caminhões, roupas, ar-condicionado, refletores etc.

O artesão Ney era um dos poucos que ainda não haviam entrado para o mercado da figuração na vila. Mas sua família estava ganhando um dinheiro extra com o aluguel da casa como camarim e sala de produção.

Por R$ 50, moradores como a agricultora Cristina Ferreira, 37, faziam ponta em cenas como a da festa de carimbó, dança típica que terá destaque na novela.

Cristina comemorava a maquiagem e o vestido florido que recebeu para aparecer na TV. "E a gente ainda poder ver os atores de perto."

Pé na terra
Ao som do carimbó da banda Curió, de Manaus (AM), mais de cem figurantes, entre dançarinos profissionais e moradores de Vila de Acajatuba, dançam descalços com o pé na terra em uma festa armada ao redor da igrejinha de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que recebeu pintura e decoração nova para a novela.

O ator Marco Pigossi é Zeca, caminhoneiro que sofre com a incontrolável namorada Rita (Isis Valverde), e atravessa a festa atrás de sua paixão.

Quando os dois se encontram, emendam uma sequência de dança por alguns minutos. O diretor dá OK para o material gravado e a coreógrafa comemora o desempenho dos atores, que fizeram várias aulas da dança regional.

"Acho que foi a cena mais difícil da novela até agora", brinca Pigossi, sem fôlego.

"Fiquei tão feliz quando soube que a Gloria falaria do norte do Brasil. Porque nós temos tanto folclore, tantas fábulas, e não sabemos fazer fábulas de nós mesmos", diz Pigossi à Folha, num camarim improvisado em uma casinha de madeira. "Brasileiro tem síndrome de vira-lata, adora ir buscar fora histórias para contar. E não precisa."

Entre outros regionalismos, "A Força do Querer" também falará da devoção à Nossa Senhora de Nazaré, com festas como a do Círio de Nazaré, e mostrará um pouco dos costumes da tribo ashaninka, no Acre.

No início da novela, os dois personagens principais (Fiuk e Pigossi), ainda crianças, serão salvos por um índio que lhes entregará uma espécie de amuleto. Esse encontro "místico" permeará a trama.

Com estreia prevista para 3 de abril, a novela, segundo o diretor Rogério Gomes, falará de como as pessoas seguem buscando sonhos e desejos independentemente do que seja contra eles.

A autora pretende tratar dos limites éticos e morais que permeiam as escolhas.

Na miscelânea de assuntos do folhetim, ela falará de assuntos contemporâneos, uma de suas características.

Entre os temas que aparecerão estão segurança pública, tráfico e a questão de gênero, com uma personagem transexual.

"A Gloria faz novela sem ter vergonha de fazer novela. Respeita o gênero", diz Gomes.

A novela terá oito tramas que se interligarão, com vários protagonistas (além de Isis e Pigossi, Juliana Paes, Rodrigo Lombardi, Paolla Oliveira, Emilio Dantas, Bruna Linzmeyer e Fiuk).

Para o diretor, se a história tem qualidade, o público acredita no que vê, independentemente da fantasia proposta pelo autor. "Quando a novela é boa, você não precisa ir gravar em Belém, em lugar nenhum. O público acredita no que está vendo e vai." 

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