quarta-feira, 27 de julho de 2016

Uma lei para intimidar autoridades

A ressurreição, pelo presidente do Senado Renan Calheiros, de anteprojeto de lei que pune abuso de autoridade tem dado pano pra manga. E o tem, sobretudo, ao tempo e nas circunstâncias em que se dá. Sua reapresentação, neste momento, indiciado o senador em mais de uma dezena de inquéritos no STF, pari passu às investigações da operação Lava Jato, conduz à suposição de que a medida objetiva intimidar procuradores e magistrados.

Pelo perfil e histórico de Calheiros, presume-se o esteja a fazer por motivações pessoais – se não para de algo se safar, ao menos como retaliação. E esta percepção mais se acentua quanto mais se evidencia sua intenção de fazê-lo às pressas – a toque de caixa.

A AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) se insurgiram. Segundo aquela, o projeto ‘permite a penalização dos magistrados pelo simples fato de interpretarem a lei, o que afeta diretamente a independência judicial’. Esta externa a preocupação da magistratura com tentativas de interferência na Operação Lava Jato.

Alerta, ainda, que a pauta do Congresso Nacional precisa estar alinhada com os anseios da sociedade em temas que fortaleçam leis e medidas no combate à corrupção.

A AMB vai além, na menção de que quaisquer projetos que modifiquem a legislação brasileira, especialmente aqueles que envolvem investigação de autoridades, lavagem de dinheiro e corrupção, devem ser cuidadosamente discutidos. Assim, a simples existência de um projeto voltado a intimidar as autoridades responsáveis pelo combate a esse tipo de criminalidade já é extremamente preocupante e causa apreensão na magistratura – afirma.

Certamente, este não é o melhor momento a esse tipo de discussão legislativa – exceto para Calheiros e outros, em semelhante posição. A quem interessará a providência, justamente em época de intenso enfrentamento à corrupção no Brasil, da qual, dentre outros, o senador vem sendo acusado?

Justo agora, em que investigações e condutas judiciais se encontram aparelhadas à descoberta e punição de criminosos de alto escalão, com poder, inclusive, numa canetada, de mudar a lei como melhor lhes convém.

No mínimo, suspeita a atitude do presidente do Senado.

A independência judicial existe para que julgamentos imparciais se deem, ao largo de pressões de grupos sociais, econômicos, políticos ou religiosos.

Traduz garantia do respeito ao Estado de Direito – oponível a quem quer que seja.

O anteprojeto de Renan estabelece pena de prisão de um a quatro anos para delegados, promotores, juízes, desembargadores e ministros – nas hipóteses que especifica.

Por ele, também se pretende punir autoridades que constranjam presos a produzir provas contra si – numa clara destinação a minar os tão em voga acordos de delação premiada.

Mas, desde quando esse tipo de delação, a revelar crimes e autores e a favorecer àquele que, deles partícipe, terá sua pena reduzida, pode ser tida como instrumento de ilícita pressão? Olhemos à nossa volta. Vejamos no que transformaram o nosso Brasil. Covil de ladrões, país da impunidade, foco de corrupção institucionalizada. Ou não?

E quem dele fez assim? Não o homem do povo! Sem sombra de dúvida, foram os mais poderosos, colocados no alto da pirâmide social. Executivos, engravatados e políticos de largo espectro – salvo honrosas exceções –, que se incumbiram de jogar na lama a história do Brasil.

E quando surge, finalmente, com base na lei que aí está, ações policiais e judiciais positivamente independentes, capazes de dar a cada um, grande ou pequeno, forte ou fraco, exatamente o merecido, ao invés de se procurar fortalecê-las, surge quem, cuja carapuça de suspeição cabe bem, as procure solapar.

Qual se tenciona fazer, a atitude vai na contramão de direção daquilo mais oportuno e conveniente ao País, na dura quadra que atravessa, a ferir de morte o norte da independência dos operadores do Direito investidos de autoridade e a se revestirem de proteção legal suficiente a que, sem temor, cumpram sempre bem o seu papel.

No campo dos magistrados, a se contrapor, inclusive, a preceitos da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Não se quer, pois, ao contrário do dito por Calheiros, apenas atualizar uma Lei de 1965. Em verdade, o objetivo é outro e tem a ver, sim, com a intimidação dos agentes da lei incumbidos de fazer valer a Justiça, também contra os detentores de poder.

As garantias daqueles agentes ajustam-se à proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos e, como conquista da cidadania, a um só tempo, são base e meta de toda sociedade minimamente civilizada.

A este passo, pinço citação doutro senador, Cristovam Buarque, contrapondo-se a Calheiros, no sentido de que abusos contra cidadãos ocorrem todos os dias e o Senado jamais fez algo para coibi-los. ‘Fala-se em abuso de autoridade, mas na verdade muitos estão imaginando que é abuso contra autoridade. Até porque morrem dez mil crianças assassinadas, e a gente nunca fez nada aqui no sentido de nos preocuparmos com isso. Todos os dias são algemados centenas de pobres, quase todos negros, e a gente não fala nada contra abuso de autoridade’, afirmou.

Claríssima, pois, da conduta meramente casuística de Renan Calheiros, em nada altruísta ou desinteressada, a revelar nada mais que o ego inchado de quem contrariado pelas ações judiciais ultimamente estabelecidas no País.

Mas, senhor senador, a Nação está acordada, de olhos voltados à ação desse Senado Federal e de coração comprometido com as Lava Jatos da Vida, próprias a desnudar a face obscura de quantos se suponham acima do bem e do mal. Vigia, Brasil!

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