segunda-feira, 6 de junho de 2011

Discurso de Vicente Fonseca na APM

Fundada em 30 de maio de 1981, por um grupo de musicistas liderados pelo maestro Waldemar Henrique, a Academia Paraense de Música tem como objetivos preservar, proteger e incentivar o desenvolvimento cultural da música e, em especial, o patrimônio musical do Pará, cultuando a memória dos valores representativos da música paraense, conforme dispõe o art. 2º de seu estatuto social.
Constituída de 40 cadeiras, tem como patronos ilustres músicos paraenses falecidos e que prestaram relevantes serviços à cultura musical de nosso Estado, cuja tradição na arte de Euterpe é das mais destacadas no Brasil.
Por disposição estatutária e com toda justiça, é considerado Patrono da Academia Paraense de Música o insigne maestro Antônio Carlos Gomes, glória imortal da música brasileira, falecido na capital paraense e cujo nome emprestou à Fundação e ao Instituto Carlos Gomes, a principal e mais tradicional instituição de ensino da música na Amazônia.
A Academia foi instalada solenemente em 1º de junho de 1982, no Theatro da Paz, com a entrega de títulos aos membros efetivos e vitalícios, correspondentes, honorários e beneméritos, e realização de um concerto. Na oportunidade, a saudação dos novos acadêmicos foi proferida por Vicente Salles, autor da clássica obra “Música e Músicos do Pará”, membro da Academia Brasileira de Música. Portanto, em 2011 a Academia completa 30 anos de fundação.
A entidade ficou inativa por alguns anos. Diversos acadêmicos faleceram. E, agora, ocorre a solenidade de posse de 11 novos acadêmicos, em nome dos quais tenho a honra de falar nesta oração, por escolha de meus ilustres confrades.

Agradeço a indicação deste honroso mandato. E, em nome dos novos acadêmicos, agradecemos os votos manifestados pela assembléia geral da entidade, realizada em 4 de novembro de 2010, que resultou na nossa eleição e a posse que hoje se realiza, nesta cerimônia de gala, onde não faltará a apresentação de um concerto com música e músicos paraenses.
Determina o art. 19 do Regimento Interno da Academia que na solenidade de posse o discurso do novo membro eleito, recipiendário, deve versar “sobre a personalidade e a obra dos seus antecessores e do patrono da cadeira”. Tratando-se, entretanto, de uma posse coletiva de 11 novos acadêmicos, houve consenso para que este discurso se restrinja a uma síntese sobre a vida e a obra dos patronos e acadêmicos antecessores, a fim de atender à norma regimental sem tornar-me enfadonho, até porque devemos reservar todas as honras à musa que tanto nos apaixona: a música.
Em seu discurso de posse na Academia Paraense de Letras, em 15 de setembro de 1995, Wilson Fonseca, meu saudoso pai – que ten o a honra de suceder nesta ocasião –, lembrou o que disse Roland de Candé: "... a boa música popular é uma música erudita, por ser embasada num sistema erudito: existem músicas populares bastante eruditas" ("História Universal da Música", Editora Martins Fontes, 1ª edição brasileira, 1994, pág. 36). E acrescentou: “há músicas eruditas bastante populares, muitas inspiradas em temas consagrados nas tradições populares”.
"A música é uma antiga sabedoria coletiva, cuja longa história se confunde com a das sociedades humanas", diz Roland de Candé (obra citada). Enfim, "a vida é som", como nos ensinam Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Liszt, Brahms, Debussy, Wagner, Mahler, Villa-Lobos, Stravinsky e tantos outros mestres, que o mundo todo aplaude e admira.
Sílvio Meira, jurista e escritor, na conferência sobre "Alguns Aspectos da Obra Literária de Pontes de Miranda", no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (1987), disse que o emérito pensador e poeta alagoano: "Considera a Música a reminiscência mais divina do espírito humano: ‘Não há indivíduo capaz de descrer dos deuses ao escutar trecho que lhe vem em harmonias só possíveis às coisas eternas. A fórmula mais perfeita do retorno à Natureza não poderia ser senão esta: o retorno à Música’”.
Concluída a introdução e o intermezzo, retomo a linha do discurso e a tradição da Casa.

O Patrono da Cadeira nº 2 é José Cândido da Gama Malcher (02.11.1853/17.01.1921), compositor e regente. Notabilizou-se como autor das óperas “Bug-Jargal” e “Iara”, ambas apresentadas nos Festivais de Ópera do Theatro da Paz, em Belém (2003/2006). A primeira ocupante da Cadeira foi Guilhermina Tereza Cerveira Nasser (1º.10.1917/25.6.2010), pianista e
professora de tantas gerações, foi aluna da célebre Magdalena Tagliaferro e de Thomas Téran, no Rio de Janeiro, tendo se apresentado como solista e camerista acompanhando a soprano Helena Cardoso em memoráveis apresentações. Assume a imortalidade Felipe Andrade e Silva, arquiteto, pianista e professor, além de exercer diversas e relevantes atividades administrativas na Fundação Carlos Gomes e no Theatro da Paz.
A Cadeira nº 13 tem como Patrono Antonio Cirilo Silva (10.7.1875/01.10.1932), compositor e regente. Um dos criadores do teatro regional, considerado o maior músico negro do Pará, deixou obra imensa, mas todos os seus originais foram destruídos pela esposa, após a sua morte (cf. Vicente Salles). O primeiro ocupante foi Marcos Quintino Drago (1899/2002), compositor, instrumentista e regente de banda de música. Passa a ocupar a Cadeira a professora e percussionista Maria Cláudia Oliveira, que fez seus estudos em Belém, São Paulo, México e França. Integra o Grupo TACAP.
Jayme Nobre (13.7.1879/14.11.1939) é Patrono da Cadeira nº 15. Dentre os irmãos Nobre (Ulisses e Helena, cantores; Gilda, pianista), destacase o flautista e regente Jayme. O primeiro ocupante foi Joel da Silva Pereira (1930/1984), violonista, cantor, seresteiro, radialista e professor. O segundo, José Guilherme de Campos Ribeiro (1933/1995), poeta, violonista e
compositor. Agora assume Gelda Liane da Silva e Silva, professora e pianista. Integrante do Conjunto de Música Antiga.
A Cadeira nº 17 leva o nome do Patrono Raimundo Pinto de Almeida (12.10.1880/13.3.1950), violinista, compositor e regente. A professora e pianista Eliette Reis Tavares 13.11.1934/05.9.2007) foi a primeira ocupante. Toma posse agora o jovem Humberto Valente Azulay, pianista e professor, filho da professora Hilda Azulay e irmão da pianista Adriana Valente Azulay, igualmente acadêmica, integrantes do Duo Azulay e do Sexteto de Sete.
A pianista e professora Beatriz de Barros Simões (15.03.1884/16.07.1960) é Patrona da Cadeira nº 18, cuja primeira ocupante foi Donina Ben-Accon (30.3.1921/09.5.2005), igualmente pianista e professora, uma das fundadoras do Coral Ettore Bosio (1961) e Diretora do Conservatório
Carlos Gomes. É sucedida por Paulo José Campos de Melo, professor, pianista, organista, compositor e regente. Filho da professora Ana da Graça Campos de Melo, o novo acadêmico estudou no Rio de Janeiro, em São Paulo, na Suíça e na Alemanha. Recebeu vários prêmios. Participou de concertos em diversos países da Europa. É atualmente Superintendente da Fundação Carlos Gomes.
Teófilo Dolor Monteiro de Magalhães (24.7.1885/25.6.1968), flautista, pianista e compositor, é Patrono da Cadeira nº 21. Compôs mais de 400 obras, inclusive a “Canção do Soldado”, dobrado intitulado primitivamente “Capitão Cassulo de Melo”. Seu primeiro ocupante foi Waldemar Rodrigues Teixeira (24.10.1919/....), trompetista e chefe de orquestra, ora sucedido por
Jonas Monteiro Arraes, professor, compositor, regente e contrabaixista. O novo imortal estudou em Belém e São Paulo. Participou da organização do Acervo Vicente Salles no Museu da Universidade Federal do Pará, com a digitalização de obras de compositores paraenses. Integrou diversas orquestras, como a Orquestra Sinfônica da Paraíba, a Orquestra Sinfônica da Bahia, a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz e o Quinteto Vivace.
A Cadeira nº 24 tem como Patrono José Agostinho da Fonseca (14.11.1886/11.11.1945), professor, compositor e regente, meu avô. Ele nasceu em Manaus (AM), estudou no Instituto de Educandos e Artífices (depois, Colégio Lauro Sodré), em Belém, e morou em Santarém. Sua mãe
(Agostinha) amamentou o compositor Paulino Chaves, em cuja residência José Agostinho residiu nesta capital. O primeiro ocupante foi Wilson Dias da Fonseca – maestro Isoca (1912/2002), compositor, escritor e regente, meu saudoso pai, cuja obra musical registra mais de 1.600 peças, do popular ao erudito. Compôs a Canção de Minha Saudade, Terra Querida, Lenda do Boto, Um Poema de Amor, Hino de Santarém, peças sacras e a ópera “Vitória Régia,
o Amor Cabano”. Tenho a honra de sucedê-lo neste momento tão importante para minha vida, para minha família e para minha cidade natal (Santarém-PA). Não sou apenas magistrado e professor, mas essencialmente músico, compositor, desde os 10 anos de idade. O catálogo de minha obra musical registra mais de 1.000 peças, como o Hino da Justiça do Trabalho, o Hino da Academia Paraense de Música, a série de “Valsas Santarenas” (atualmente, 91), o ciclo de canções em homenagem a cantoras líricas e a Sinfonia do Tapajós. No concerto de hoje, o Duo Azulay executará o samba “Batucando” (Piano a 4 mãos), que compus em homenagem à música brasileira e paraense.
O cantor Ulisses Nobre (22.02.1887/08.9.1953), membro da tradicional família Nobre, que se destacou nas atividades musicais do Pará, é Patrono da Cadeira nº 25, cujo primeiro ocupante foi Adelermo dos Santos Matos (1916/2003), tenor, professor, compositor e regente. É sucedido também por um tenor, João Augusto Ó de Almeida, que estudou em Belém, no Rio de
Janeiro e nos Estados Unidos; apresentou-se em concertos e óperas; e participou da gravação de vários discos, sobretudo na divulgação de obras de compositores paraenses. Atualmente, é Gerente de Música da SECULT/PA.
É Patrono da Cadeira nº 31 o compositor e violonista Jayme Rojas de Aragón y Ovalle (05.8.1894/29.9.1965), autor da bela canção “Azulão”. Seu primeiro ocupante foi Samuel Andrade Barros (1949/....), trompetista, compositor, professor e regente. Assume a imortalidade o pianista, professor, compositor e arranjador Robenare Marques, cuja performance vai do erudito, ao jazz e ao popular. Pianista da Amazônia Jazz Band.
A Cadeira nº 33 tem como Patrono Artur Iberê de Lemos (09.6.1901/13.02.1967), compositor, pianista e violoncelista, que ocupou a Cadeira nº 19 da Academia Brasileira de Música, do qual foi um dos fundadores. Seu primitivo ocupante foi o maestro Waldemar Henrique da Costa
Pereira (1905/1995), compositor e pianista. O extraordinário músico antecessor morou no Rio de Janeiro e se apresentou em diversos países da Europa, ao lado da cantora Mara, sua irmã. É autor de vários clássicos do cancioneiro brasileiro e paraense: Minha Terra, Tamba-Tajá, Uirapuru, Foi Boto Sinhá, Essa Nêga Fulô, Cobra Grande. Foi Diretor do Theatro da Paz e membro da Academia Brasileira de Música, bem como o primeiro Presidente da Academia
Paraense de Música. A nova acadêmica é a soprano Cíntia Patrícia Corrêa de Oliveira, que estudou piano e violão. Aperfeiçoou seus estudos na Itália (Roma e Trieste). Recebeu diversos prêmios. Há vários anos participa do tradicional concerto “Um Canto para Maria”, incluído na programação oficial da Festa de N. S. de Nazaré, em Belém. Apresentou-se em numerosos eventos musicais no Brasil e no exterior. Gravou canções de Waldemar Henrique e outros
compositores paraenses, além de canções e árias de óperas, no Projeto “O Canto Lírico da Belle Époque”, registrado no CD (Secult/PA) com obras de Gama Malcher, Henrique Gurjão, Paulino Chaves e Meneleu Campos. Em dueto com o tenor José Corrêa, Patrícia Oliveira cantou a valsa “Lorena”, que compus para a festa de 15 anos de minha filha caçula. Em sua homenagem,
compus a “Canção para Patrícia” (inédita).
E a Cadeira nº 36, cujo Patrono é Mário Rhossard Neves (31.12.1910/18.01.1962), pianista, professor e compositor, teve como primeiro ocupante o compositor e pianista Altino Rosauro Salazar Pimenta (1921/2003).
Ele morou no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Retornou a Belém e foi Diretor do Serviço de Atividades Musicais da Universidade Federal do Pará. Apresentou-se nos Estados Unidos e na Europa. Sua sucessora é Adriana Valente Azulay, pianista e professora, filha da professora Hilda Azulay e irmã do pianista Humberto Valente Azulay, igualmente acadêmico, integrantes do Duo Azulay e do Sexteto de Sete. Fez cursos de mestrado e doutorado em música de câmara na Alemanha. Participou de vários concertos.

Prometemos ocupar as Cadeiras que nos foram confiadas com dignidade, zelo e dedicação e esperamos que o metrônomo da vida nos ajude a marcar o andamento musical com segurança e harmonia, sob o compasso da fraternidade e inspirados pelos sons da mais bela arte, agora e sempre.
Concluo, pois, sob o signo da letra do “Hino da Academia Paraense de Música”, que compus com voz do coração, em homenagem aos ilustres acadêmicos – com arranjos para Canto e Piano; Orquestra; Coro a 4 vozes mistas; Piano a 4 mãos; e Canto, Vibrafone, Contrabaixo e Piano a 4 ou 12 mãos –, com os votos de que Deus nos ilumine nesta nova caminhada, cumprimentando também os queridos familiares, amigos e convidados dos novos imortais que hoje tomam posse nesta Egrégia Academia:
HINO DA ACADEMIA PARAENSE DE MÚSICA
Letra e música: Vicente José Malheiros da Fonseca
Belém (PA), 25 de abril de 2010
I
Se cantar
É nossa missão
Encantar
Nos torna feliz
Ideais
Nos unem no som
Da canção
Que nasce na música.
Na Academia
Que exulta o Pará
A cultura mais bela
Do meu tamba-tajá.
II
Ah! Nossa musa Euterpe
Vem da floresta e das lendas
Rio como o meu Tapajós
O pôr-do-sol
Sem par
Saudades no meu coração
Beleza assim
O poeta e o cantor
Na serenata se faz
O mistério sem véu
Do patrono e o imortal
Surge o uirapuru
Que esplendor
No céu.
(...)

Deus seja louvado!...
====
Vicente José Malheiros da Fonseca é compositor; escritor; membro efetivo e vitalício da Academia de Letras e Artes de Santarém (Cadeira nº 29 – Patrono: Wilmar Dias da Fonseca); Desembargador Federal do Trabalho, ex-Presidente e Decano do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Belém-PA); Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Universidade da Amazônia (UNAMA), inclusive em curso de pós-graduação. Filho de Wilson Dias da Fonseca (maestro Isoca), primeiro ocupante da Cadeira nº 24 da Academia Paraense de Música (Patrono: José Agostinho da Fonseca, seu avô).

Nenhum comentário:

Postar um comentário